Leia aqui o artigo do nosso escritor, Aragonez Marques, na revista Lusitano de Zurique de Setembro

02-09-2019
Crónica do autor Aragonez Marques
Crónica do autor Aragonez Marques
Capa revista O Lusitano de Zurique de setembro
Capa revista O Lusitano de Zurique de setembro

Do nosso cantinho para o vosso cantão foi o nome escolhido pelo autor para esta colaboração mensal no LUSITANO DE ZURIQUE, uma publicação lida por milhares de portugueses na Suiça.

Rainha de Portugal

Não podia neste meu primeiro correio do nosso canto para o vosso cantão, deixar de referir a minha estadia em Zurique entre os dias oito e doze do pretérito mês de Junho, a convite do Exmo. Sr. Cônsul-Geral, Dr. Paulo Maia e Silva, para participar no dia de Portugal, de Camões, da vossa Comunidade e de todas as outras espalhadas pelo mundo.

Toquei solo suíço pela primeira vez no dia oito e bastou-me o dia nove, como peregrino da vigésima oitava Peregrinação dos Emigrantes Portugueses em Einsiedeln, rodeado por portugueses, centenas, alguns de rostos cansados, filhos às cavalitas, bebés adormecidos nos braços, futuros sonhados, incertezas latentes, atrás de uma imagem de Fátima, a nossa Fátima, símbolo de esperança e união de todos nós, para perceber a força, o dinamismo e a saudade da Comunidade Portuguesa em Zurique.

Rezavam em português, cantavam em português e senti como um arrepio aquele "Ave, ave, ave Maria"...soando nas janelas com rostos nas vidraças, reflectidos nas bandeiras soltas que povoavam as ruas, lenços brancos acenando como molduras da nossa língua... estávamos todos em Portugal.

As emoções vividas nesse dia foram muitas e se um país, para o ser, necessita de três pilares fundamentais, Língua, História e Religião, esses três pilares estiveram presentes, a Religião e a Língua obviamente, mas dirá o leitor:

- E a História?

Pois a História, para além de camuflada nesse espírito aventureiro que nos levou e leva a correr mundo procurando melhor vida no desconhecido, apareceu com força quando na procissão a uma só voz se cantou... "Rainha de Portugal"...

Seguros destas três colunas vertebrais de cérebro único, o nosso país, o Estado-Nação mais antigo da Europa a caminho dos mil anos de História, está bem assumido para caminhar e enfrentar outros mil.

Mas voltemos ao som ainda vivo na memória dos peregrinos cantando... "Rainha de Portugal"...

A Rainha de Portugal é Nossa Senhora da Conceição e embora não seja historiador, sirvo-me de ser um contador de histórias, para vos contar este episódio da história de todos nós.

Estamos em Vila Viçosa, na capelinha mandada edificar por D. Nuno Alvares Pereira.

Também em Vila Viçosa mora o fidalgo português mais poderoso do reino, agora ocupado por Espanha.

O calendário marca Outubro de 1640 e pode-se ouvir o som das botas de Pedro Mendonça nas escadarias do Palácio Ducal, enviado pelos conjurados que se reuniram em Lisboa e o mandataram para convidar D. João, trineto de D. Manuel I e bisneto de Dona Catarina de Bragança, a encabeçar a revolta planeada para Dezembro.

D. João, Duque de Bragança, recebeu-o e quando Pedro Mendonça com grande vénia, chapéu de plumas, quase tocando o chão, o saudou dizendo: - Vossa Majestade...- foi de imediato interrompido pelo Duque.

A sua indecisão era grande e se o não dizia, pensava "...com as mordomias que tenho, as benesses que recebo da coroa espanhola, com o bem que estou e chegam estes a dar-me cabo da vidinha..."

- Senhor, é o momento exacto - insistiu Pedro de Mendonça - a Catalunha revoltou-se e o exército está do outro lado da Península, precisamos de um Rei.

Continuou D. João a pensar "...virão por nós, virão por mim..." e apenas respondeu:

- Tenho que pensar.

Foi então que entrou no salão de paredes e tectos pintados luxuosamente, Dona Luiza de Gusmão, que de forma patriótica interferiu:

- Senhor meu esposo, antes ser Rainha por uma hora do que Duquesa toda a vida.

Para além de entrar no grande salão de mil cores, Luiza de Gusmão tinha acabado de entrar na História de Portugal.

O Duque aceitou ser rei caso a revolução triunfasse.

E triunfou.

Os conjurados prenderam a Duquesa de Mântua, Margarida de Saboia, vice-rainha de Portugal desde 1634, diz o povo que num armário, dizem os intelectuais que num quarto, antes de ser devolvida a Madrid.

Pior sorte teve o seu secretário, Miguel de Vasconcelos, que caiu da varanda, diz o povo que empurrado, desta vez o povo viu.

O Duque foi aclamado Rei e passou a governar como D. João IV, em paz practicamente, pois o exército espanhol só veio resgatar Portugal dezassete anos depois (obrigado Catalunha), tempo suficiente para encontrar toda uma fronteira protegida, era tarde demais.

Mas voltemos à rainha que o rei permitiu que o fosse, ao povo e aos intelectuais.

Estes consideram que Nossa Senhora foi coroada Rainha de Portugal como agradecimento pela restauração do reino, já o povo diz que o rei nunca perdoou à esposa, e vingativo como era, levou a Corte à capelinha de Nossa Senhora da Conceição em Vila Viçosa, seis anos depois (1646), e coroou Nossa Senhora, Rainha de Portugal, usando a coroa de Luiza de Gusmão.

Desde essa data nenhuma rainha mais usou coroa em Portugal.

Os reis também não, quem sabe se por solidariedade às esposas.

O que é certo é que em cerimónias oficiais há gravuras de uma almofada no solo com a coroa real sobre ela, mas nunca mais na cabeça de nenhum monarca português.

Com a implantação da República em 5 de Outubro de 1910, terminou a monarquia.

Só Nossa Senhora da Conceição continuou a reinar até aos dias de hoje.

É e será sempre a "Rainha de Portugal".

Aragonez Marques