A Primeira Palavra, de Hugo Santos. Um poema maravilhoso para todas as mães...

01-05-2022

A Primeira Palavra


Hoje, pela primeira vez, disse: "Mãe".

Podia ter dito qualquer outra palavra pequenina

como "rio, flor, casa, ave, luz, cor", sei lá.

Mas não, Disse: "Mãe".


Fechei os olhos e repeti "Mãe", uma, duas, muitas vezes.

E fiquei a saber, já depois de me ouvir ante o espelho da sala, 

que a palavra "Mãe", dita e ouvida assim,

como se tivesse caído do colo de uma estrela,

podia ser também "rio, céu, flor, casa, ave, luz e cor".


Dizia "Mãe" e era como se um rio corresse sob os meus pés.

Proferia-a de novo e sabia que ela era azul como o céu.

Era um nome com muitas portas e janelas,

tantas ou mais do que aquelas que tem a minha casa.

Se a dissesse mais alto, ela voava

como um dos pássaros do quintal.


Se me debruçasse sobre ela e a aconchegasse nos braços,

cheirava-me a flores.

Estava tão cheio de luzes coloridas que, mais tarde,

quando reparei nos olhos da minha Mãe, lá estavam

todas as cores do arco-íris.


Pronto, já sei. Quando voltar a dizer "Mãe",

as luzes acendem-se e a música começa a tocar.


Talvez Bach, talvez Beethoven,

talvez Chopin nas mãos mágicas

de um famoso pianista.


Vocês já pensaram no que,

quando for grande,

vou fazer com a palavra

"Mãe"?

Do livro: Eu, a Casa, os Bichos e Outras Coisas (Vega, 2008). 

Hugo Santos

Hugo Santos nasceu em Campo Maior e toda a sua obra nos fala da vasta e silenciosa beleza do Alentejo raiano. Poeta, romancista e contista, tem mais de quarenta livros publicados e foi distinguido com múltiplos prémios literários dos quais são de destacar, na poesia, Corpo Atlântico, Prémio Antero de Quental, Decálogos do Bom Amor, Prémio Cesário Verde, e na prosa, os romances A Mulher de Neruda e As Mulheres que Amaram Juan Tenório que lhe valeram, respetivamente, o Grande Prémio de Albufeira e o Prémio Miguel Torga (...)

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